Imagem: Gemini IA
Lima Barreto e a Febre do Ouro: A Crítica à República do "Pau-Brasil"
A expressão "Febre do Ouro", em seu sentido literal, remete à corrida frenética pela riqueza fácil e ao abandono dos valores em nome da acumulação. Na obra de Lima Barreto (1881-1922), essa metáfora adquire um sentido profundo, representando a ganância desmedida e a corrupção estrutural que marcaram os primeiros anos da República brasileira. O autor, um dos mais contundentes críticos do seu tempo, utilizou sua literatura como um bisturi para dissecar essa "febre", expondo a falsidade da promessa republicana de progresso e igualdade.
Em 1993, a novela Fera Ferida foi inspirada livremente nas obras de Lima Barreto, trazendo personagens como Raimundo Flamel, Clara dos Anjos e "O homem que sabia javanês". A adaptação fez um grande sucesso e agora está disponível na plataforma Globoplay. Inclusive os nomes das ruas de Tubiacanga foram batizados com personagens do escritor.
A República do Brasil, proclamada em 1889, herdou o latifúndio, o racismo e a desigualdade do Império, mas os revestiu de uma nova roupagem: o discurso positivista e o culto à ciência e ao "branqueamento". Para Lima Barreto, no entanto, o novo regime não passava de uma "República do Pau-Brasil", em alusão à exploração predatória e ao enriquecimento de poucos, ecoando o período colonial. A "febre do ouro" barretiana não se concentrava em minas, mas sim nas engrenagens da burocracia, do jornalismo venal e da política oligárquica, onde a ascensão social era determinada pela cor, pelo status e pela submissão ao sistema, e não pelo mérito.
Essa crítica é materializada em personagens patéticos e ingênuos, como Policarpo Quaresma, do romance Triste Fim de Policarpo Quaresma. A obsessão do major por resgatar a cultura e a identidade nacional (em sua busca pelo tupi-guarani e pela agricultura), ao invés de ser um gesto patriótico, é vista pela elite como loucura. Quaresma, em sua pureza e idealismo, choca-se com a realidade da "febre do ouro" que corroía a alma nacional, sendo esmagado pela mesma República que sonhava em servir. O seu "triste fim" é a alegoria da destruição do ideal republicano genuíno diante da máquina de corrupção e autoritarismo.
Ademais, sendo um intelectual negro, Lima Barreto sentiu na pele o peso da exclusão imposto pela "febre" racista que operava na República Pós-Abolicionista. Enquanto a elite branca e os novos-ricos gozavam da Belle Époque carioca, a grande massa de ex-escravizados e pobres dos subúrbios – o universo de onde ele extraía sua matéria-prima – era mantida à margem. O conto Clara dos Anjos é um testamento dessa exclusão, ao narrar a história de uma jovem negra cujo futuro é tolhido pela falta de oportunidades e pelo preconceito, perpetuando o ciclo da miséria e da injustiça social.
Resumindo, a "Febre do Ouro" na literatura de Lima Barreto é a metáfora da corrupção moral e política da Primeira República. Sua obra se mantém viva e essencial por sua capacidade de desmascarar o abismo entre o ideal republicano e a realidade brasileira, forçando-nos a confrontar um país que, ainda hoje, luta para superar o legado de uma estrutura social que sempre privilegiou a acumulação e o prestígio em detrimento da justiça e da dignidade humana.

Nenhum comentário:
Postar um comentário