quinta-feira, 30 de outubro de 2025

A LEI ESQUECIDA: Política Nacional do Livro e o Silêncio da Cultura


No aniversário da Lei 10.753/2003, que instituiu a Política Nacional do Livro (PNL), o Brasil se depara com um paradoxo cruel: a existência de uma robusta legislação de incentivo à leitura e à produção editorial, e o profundo desconhecimento ou negligência de grande parte dos legisladores e gestores públicos sobre o seu conteúdo e, mais importante, sobre sua implementação efetiva.


Criada no primeiro mandato do presidente Lula, a PNL nasceu com a missão de transformar o livro em um pilar central do desenvolvimento social e cultural do País, incentivando sua produção, distribuição e o hábito da leitura. As diretrizes da lei são claras e ambiciosas, visando a democratização do acesso e a valorização da cadeia produtiva do livro. No entanto, sua trajetória tem sido marcada por uma espécie de "apagão" institucional, expondo feridas profundas na relação do Estado brasileiro com a cultura e o conhecimento.

1. O Fantasma do Anti-intelectualismo e o Desvalor da Cultura


O primeiro e mais alarmante sintoma do esquecimento da PNL é o reflexo de um persistente anti-intelectualismo na esfera pública. A falta de regulamentação plena e a ausência de um investimento contínuo e estratégico demonstram que, na prática, o livro e a leitura são relegados a um papel secundário nas prioridades de muitos governos. Onde a lei prevê que o livro é o "meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento," a realidade impõe cortes orçamentários, falta de manutenção em bibliotecas públicas e uma visão utilitarista e superficial da educação. A desvalorização à cultura é evidente: o que não gera retorno eleitoral imediato ou não se encaixa em uma pauta ideológica restritiva, é simplesmente ignorado, e a PNL, com seu caráter estrutural de longo prazo, acaba sendo vítima dessa miopia política.

2. Anonimato dos Mestres: O Escritor na Sombra


Um dos objetivos da Lei 10.753/2003 é explicitamente o de "estimular a produção intelectual dos escritores e autores brasileiros". No entanto, o cenário editorial e cultural, especialmente para os novos e regionais autores, continua desafiador. A inércia na promoção de editais de fomento e a ausência de programas nacionais e regionais de descoberta e apoio resultam no anonimato dos escritores e mestres da literatura.

Os grandes nomes consagrados persistem, mas a nova voz, aquela que reflete a diversidade cultural do País e renova a literatura, luta contra a invisibilidade. Sem políticas públicas robustas que garantam concursos regionais, apoio à publicação e remuneração justa (como a lei, em essência, se propõe a fazer), o talento local permanece à margem. O escritor, que deveria ser um agente fundamental na construção da identidade nacional, torna-se um empreendedor solitário, refém de seu próprio esforço e das dinâmicas predatórias do mercado.

3. A Falha na Difusão: O Livro que Não Chega


A PNL enfatiza a importância de fomentar a difusão, a distribuição e a comercialização do livro, inclusive a instalação e ampliação de livrarias, bibliotecas e pontos de venda. Contudo, a efetiva falta de incentivo à Difusão Cultural do Livro no interior do Brasil é um fracasso que ecoa em números baixos de leitura per capita. 
  • Geografia da Leitura: O Brasil ainda possui vastos "vazios de leitura" onde livrarias e bibliotecas são escassas ou inexistentes. A livre circulação do livro, prevista na lei, esbarra em problemas logísticos e na inação do poder público em criar mecanismos para que o livro chegue a assentamentos, comunidades quilombolas, aldeias indígenas e periferias distantes.
  •   Descontinuidade de Programas: A articulação entre a PNL e outras iniciativas importantes, como o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), frequentemente sofre rupturas a cada mudança de gestão, demonstrando a fragilidade de transformar uma "Lei de Governo" em uma verdadeira "Política de Estado".

📌 Um Chamado à Responsabilidade


A Lei 10.753/2003 não é apenas um conjunto de artigos; é uma bússola para um Brasil que aspira ser uma nação do conhecimento. Sua existência há 22 anos, somada à sua notável ineficácia em muitos aspectos, é um atestado da falta de compromisso estrutural com o setor. 

Para que a PNL saia do papel e se torne a poderosa ferramenta de transformação que foi idealizada, é urgente que o Executivo Federal, em conjunto com Estados e Municípios, realize um plano de incentivo e informação à população sobre a regulamentação imediata da lei. É preciso educar os gestores, valorizar os autores e garantir que o investimento na cadeia produtiva do livro seja visto não como um gasto, mas como a única forma de combater o obscurantismo e construir uma sociedade verdadeiramente leitora e crítica. 


O livro é imune de impostos pela Constituição; a lei o eleva a um direito. Agora, cabe aos governantes garantir que este direito não seja apenas letra morta, mas uma realidade acessível a todos os brasileiros.


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