A fiscalização do Poder Executivo, pilar essencial da democracia representativa, encontra-se fragilizada em diversos municípios brasileiros. É cada vez mais recorrente o cenário onde Câmaras de Vereadores, dominadas por maiorias alinhadas aos Prefeitos, assumem uma postura de conivência, fazendo "vista grossa" a irregularidades e obstruindo o trabalho de uma oposição frequentemente silenciada. Esse desequilíbrio de poder não apenas compromete a transparência, mas mina a confiança pública na gestão municipal. Paradoxalmente, a própria oposição, apesar de sua voz reduzida, muitas vezes falha em utilizar os robustos dispositivos legais disponíveis para cumprir seu dever fiscalizador. Diante dessa crise de identidade e medo da judicialização, emerge a necessidade urgente de resgatar o protagonismo da sociedade civil como o agente fiscalizador soberano.
Em primeiro lugar, a raiz dessa disfunção reside na dinâmica política clientelista e na captura institucional. A promessa de cargos, emendas e vantagens políticas transforma a função fiscalizadora dos vereadores da base aliada em um mero carimbo de aprovação dos atos do Executivo, a famosa "turma do amém". A Câmara, que deveria ser um contrapeso, torna-se uma extensão do Gabinete do Prefeito. Nesse contexto, a oposição é sistematicamente isolada e seus pedidos de informação, CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) ou convocação de secretários são arquivados sumariamente. Tal prática não é apenas imoral, mas constitui uma traição ao mandato popular de vigilância e transparência que rege a República.
Em segundo lugar, a ineficácia fiscalizatória também recai sobre a apatia da própria oposição ou o desconhecimento dos instrumentos legais de controle. Dispositivos como o acesso irrestrito a documentos públicos, a denúncia direta ao Ministério Público (MP) e ao Tribunal de Contas (TCE) por qualquer cidadão ou vereador, e o uso de mandados de segurança para garantir a tramitação de requerimentos são ferramentas poderosas. Contudo, muitas vezes, a oposição se restringe ao discurso político retórico, sem converter a denúncia em ação jurídica ou técnica bem fundamentada, contribuindo indiretamente para a sensação de impunidade e para o enfraquecimento de sua própria legitimidade perante o eleitorado.
Diante de uma Câmara cúmplice e de uma oposição fragilizada, a única força capaz de reequilibrar a balança democrática é a sociedade civil organizada. É imperativo que o cidadão deixe a posição de espectador passivo e assuma o papel de fiscalizador primário, utilizando as prerrogativas que a legislação já lhe confere.
Diante da inércia da Câmara de Vereadores, só resta à Sociedade Civil Organizada algumas alternativas ou propostas para mudar esse cenário:
1.Criação e Fortalecimento de Observatórios Sociais (OS): Implementar e financiar (via editais de fomento e parcerias com universidades locais) Observatórios Sociais independentes em cada município. O OS deve ser formado por voluntários com expertise técnica (contadores, advogados, engenheiros) e ter como foco a auditoria de contratos, licitações e contas públicas, transformando dados brutos em relatórios de fácil compreensão.
2. Plataforma Digital de Fiscalização Cidadã (PFIC): O Ministério Público Estadual (MPE) deve criar uma plataforma online acessível e segura onde qualquer cidadão possa anexar provas e indícios de irregularidades de forma anônima e rastreável. A plataforma deve garantir o sigilo do denunciante e fornecer feedback sobre o andamento da investigação (respeitando as limitações legais). Democratizar o acesso à Justiça, garantindo que a denúncia social saia do campo da retórica e seja imediatamente protocolada como notícia-crime ou representação formal, blindando-a da obstrução da Câmara.
3. Campanha Educativa sobre Controle Social e Lei de Acesso à Informação (LAI): O Tribunal de Contas do Estado (TCE), em parceria com as prefeituras (sob fiscalização do TCE), deve promover campanhas de conscientização e workshops presenciais e virtuais sobre o uso da LAI, os direitos de petição e os canais de ouvidoria. O foco deve ser em bairros e comunidades com menor acesso à informação.
Portanto, é essencial munir a população com o conhecimento e as ferramentas legais necessárias para exigir documentos, fiscalizar despesas e monitorar o cumprimento das promessas de campanha, transformando o "olhar atento" em ação legal.
Ao capacitar e organizar o cidadão para que ele mesmo se torne o auditor de sua cidade, reverte-se a lógica da "Câmara Cúmplice". A efetividade democrática em nível municipal não pode mais ser refém da conveniência política. O protagonismo deve, enfim, retornar ao povo, que é o verdadeiro e insubstituível detentor do poder fiscalizatório.
Se isso acontecer, prevalecerá a ideia de que o parlamento municipal é uma despesa a mais para os municípios e devem ser susbstituídos pelo Controle Social, através de um Conselho Parlamentar de Fiscalização onde não se tenha que ter uma política clientelista nem supostas captações ilícitas de sufrágio.






