sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Sobrevivência ou Submissão: A Armadilha do Emprego Político nas Pequenas Cidades

Sobrevivência ou Submissão: A Armadilha do Emprego Político nas Pequenas Cidades

Interior do Brasil – Em muitas pequenas cidades, o relógio da economia não gira no ritmo do comércio ou da indústria, mas sim ao compasso da caneta do prefeito. Sem políticas públicas efetivas de geração de emprego e renda, e com um setor comercial asfixiado pela falta de incentivo, a população se vê diante de um dilema cruel: ou se submete ao "beija-mão" nos gabinetes políticos ou faz as malas em busca de oportunidades fora.

A Prefeitura como "Única Empresa"

A realidade é nua e crua: em municípios com pouca diversificação econômica, a Prefeitura se torna o maior – e às vezes único – empregador formal. O que deveria ser um serviço público técnico transforma-se em um balcão de negócios eleitorais.

O cidadão, refém da falta de opções, acaba sendo forçado a "pedir" emprego ao político. Cria-se, assim, uma massa de trabalhadores contratados precariamente, cuja estabilidade dura apenas até a próxima eleição ou até o próximo humor do gestor.

Dentro das repartições, o cenário é de desvalorização. Enquanto servidores dedicados carregam o piano da administração, uma casta de apadrinhados – muitos dos quais apenas batem o ponto (quando batem) – recebe salários e gratificações em troca de fidelidade canina ao grupo no poder. Essa distorção desmotiva quem realmente trabalha e onera os cofres públicos sem retorno em qualidade de serviço para a sociedade.

O Clientelismo que Elege e Escraviza

Supõe-se, não sem razão, que a reeleição de muitos prefeitos esteja alicerçada nessa "folha de pagamento paralela". Ao inchar a máquina pública com contratos temporários, o gestor não apenas "ajuda" famílias aliadas, mas garante um exército de cabos eleitorais.

Essa prática nefasta é a principal barreira para a realização de concursos públicos. O concurso liberta o cidadão da amarra política; o contrato temporário o mantém de joelhos. Para o político tradicional, o cidadão livre é um perigo. Além de, a maioria das prefeituras, não pagarem todos os direitos trabalhistas, nem o piso da categoria. 

O "Capitão do Mato" do Século 21 e a Guerra de Pobres

Em meio à escassez, surge uma figura socialmente trágica: o "capitão do mato" moderno. São pessoas da própria classe trabalhadora que, por migalhas de poder ou pequenas vantagens financeiras, entregam seus companheiros e fiscalizam a fidelidade política alheia em nome do "patrão".

Essa dinâmica é alimentada por condições de trabalho indignas e pela disputa desesperada por sobrevivência. O sistema é desenhado para colocar pobre contra pobre, enquanto a elite política se mantém intocada.

A Raiz do Problema: Educação e Desinformação

Analistas apontam que esse ciclo de dependência não é acidental. Ele é mantido pelos precários investimentos em educação crítica e potencializado, nos últimos anos, pela ofensiva antiintelectualista.

A disseminação de notícias falsas e a retórica extremista, muitas vezes associada à extrema direita, criam uma cortina de fumaça. O trabalhador é induzido a votar no seu próprio explorador, acreditando em pautas morais ou no medo de "comunismos" imaginários, enquanto a política real – aquela que tira o pão de sua mesa e o emprego de seu filho – é gerida para manter o status quo.

Sem uma política econômica que fortaleça o pequeno comércio e sem uma educação que liberte a mente, as pequenas cidades continuarão sendo reféns de um feudalismo moderno, onde a saúde financeira do município e a dignidade de seu povo dependem, exclusivamente, da vontade do "dono" da cidade.

Entre o Balcão e o Guichê: O Dilema da Identidade nos Correspondentes Bancários em Sergipe

Entre o Balcão e o Guichê: O Dilema da Identidade nos Correspondentes Bancários em Sergipe

Análise Reflexiva

Em muitas cidades do interior de Sergipe, a paisagem urbana sofreu uma mudança drástica nos últimos anos. Com o fechamento de agências bancárias devido à insegurança e aos constantes arrombamentos, a figura do "Correspondente Bancário" — carinhosamente ou por vezes erroneamente chamado de "Ponto" — tornou-se o novo centro de gravidade das comunidades. No entanto, por trás da placa azul do Banco do Brasil ou do selo de outras instituições, esconde-se um dilema empresarial profundo: onde termina o banco e começa a loja?

O Fenômeno da "Loja Invisível"

Diferente das Casas Lotéricas ou do Ponto Banese, que possuem ambientes projetados exclusivamente para o fluxo financeiro, o correspondente bancário em farmácias, mercados e papelarias é um hóspede que, muitas vezes, acaba expulsando o "dono da casa".

O que deveria ser um serviço adicional para atrair público acaba gerando a "síndrome da marca apagada". O cliente entra buscando o terminal de saques e ignora as prateleiras. Para muitos empreendedores sergipanos, o prestígio de ser um braço do Banco do Brasil traz consigo o ônus de ver sua identidade comercial obscurecida. O estabelecimento deixa de ser a "Farmácia do João" para se tornar "o lugar onde paga o boleto".

A Luta Contra a Sazonalidade e o Caixa

A operação financeira de um correspondente é um exercício de equilibrismo. A conta não é simples: para o cliente sacar nos primeiros cinco dias úteis, é preciso que alguém tenha depositado nos dias anteriores. O lojista se vê em uma encruzilhada logística.

 * O Pico do Saque: No início do mês, filas dobram a esquina. O fluxo de pessoas aumenta, mas a carga de trabalho e o risco de segurança também.

 * O Limite do Depósito: Passado o período de pagamentos, o terminal trava no limite de R$ 5 mil imposto pela tecnologia e segurança.

O resultado? Um fluxo intenso de pessoas que consome o tempo dos funcionários da loja, ocupa o espaço físico e, frequentemente, não consome um único produto das prateleiras.

A Ilusão da Estrutura de Agência

O ponto nevrálgico desse conflito é a expectativa do consumidor. Amparados pela necessidade, muitos usuários buscam no balcão de uma mercearia o mesmo atendimento complexo de uma agência bancária. Quando o sistema cai ou o dinheiro acaba, a frustração é direcionada ao lojista, e não à instituição financeira. A verdade é que correspondente não tem dinheiro, o numerário do "ponto" é o resultado do movimento de depósitos e recebimentos de contas para entrar dinheiro que servirá para o saque ou para o alívio. 

A Resolução nº 3.954/2011 do Banco Central é clara: o correspondente deve manter sua identidade e informar que é apenas um prestador de serviços. Mas, na prática, a comunicação visual agressiva dos bancos e a carência da população criam um "curto-circuito" informacional. O empreendedor não pode cobrar taxas extras pelo serviço — o que é justo para o consumidor, mas frustrante para quem vê os custos de energia, internet e pessoal subirem sem uma contrapartida direta nas vendas da loja.

Reflexão Final: Vale a Pena Ser um "Ponto"?

A resposta para essa pergunta não está nos números frios das comissões bancárias, que costumam ser baixas, mas na estratégia de sobrevivência.

Ser um correspondente bancário em Sergipe hoje é, acima de tudo, uma prestação de serviço social. Vale a pena se o lojista conseguir transformar o "homem do boleto" em um "comprador de conveniência". Se o fluxo de pessoas não for convertido em venda de produtos, o comerciante corre o risco de se tornar um gerente de banco não remunerado, arcando com os riscos e o cansaço de uma estrutura que não é sua.

Para o pequeno empresário, fica o desafio: como reaver a identidade da sua loja quando o adesivo do banco no vidro parece brilhar mais do que os seus próprios produtos? A transparência exigida pelo Banco Central não é apenas uma regra jurídica; é, para o lojista, uma necessidade de sobrevivência de marca.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

EDUCAÇÃO: Afinal, professor "ganha" bem ou mal?

Na prática, o professor brasileiro recebe mal, o que é uma contradição ética e um obstáculo ao desenvolvimento nacional.

​O cerne da questão é que a sociedade e o Estado brasileiro não traduzem o alto valor (o "ganho") do professor em remuneração justa (o "recebimento"). Enquanto essa disparidade persistir, a profissão será marcada pela desvalorização, e a qualidade da educação permanecerá comprometida. O salário do professor deve refletir o investimento na construção de um país. 

O debate sobre se R$ 2.000 ou R$ 5.000 é "ganhar bem" no Brasil desvia o foco da verdadeira questão: o salário do professor não é apenas uma remuneração, é um investimento direto no futuro da nação. Defender um salário digno para o magistério não é um pleito corporativo; é uma estratégia de desenvolvimento social e econômico inadiável.

O professor é a base de todo o capital humano do país. Nenhuma outra profissão – seja ela na medicina, engenharia, direito ou tecnologia – pode sequer existir sem a fundação sólida estabelecida por um educador. O professor não apenas transmite conteúdo; ele molda o pensamento crítico, incentiva a criatividade e, fundamentalmente, fornece as ferramentas cognitivas e éticas necessárias para o exercício pleno da cidadania e da produtividade.

A Rotina Invisível: O salário não remunera apenas as horas em sala de aula (a execução). A rotina do educador transcende o horário de sala de aula e consome muito além da carga horária oficial. A função vai muito além de meramente ministrar as lições: envolve o planejamento, a elaboração, a execução adaptativa do currículo e a avaliação rigorosa dos resultados. Sem tempo remunerado adequado para essas etapas cruciais, a qualidade do ensino inevitavelmente se degrada.

Contudo, a sobrecarga de trabalho é agravada por uma doação pessoal e financeira injusta e insustentável. Em escolas carentes e regiões com baixo investimento, o acesso à educação de qualidade depende diretamente do bolso do professor. A inércia de governos que não priorizam a educação e não fornecem os recursos necessários acaba pesando financeiramente para o professor, que custeia materiais, cópias e até recursos lúdicos, apenas para garantir um ambiente de aprendizado minimamente funcional.

A desvalorização salarial atual, comprovadamente baixa em comparação a outras carreiras de nível superior e à média internacional, cria um ciclo vicioso destrutivo. Ela afasta os talentos mais promissores da carreira docente e impõe aos profissionais que permanecem na área essa dupla jornada de trabalho e custeio.

Portanto, equiparar o salário do professor à média de outras profissões de nível superior não é um gasto, mas sim o custo necessário para garantir a excelência educacional. Somente com remunerações justas, que reflitam a importância e a complexidade integral de sua missão – da elaboração pedagógica ao custeio de materiais em escolas deficientes – o Brasil conseguirá atrair, motivar e reter os melhores profissionais. A valorização salarial do professor é, em essência, a valorização do futuro do Brasil.

domingo, 23 de novembro de 2025

PRISÃO DE BOLSONARO: Bolsonarismo é uma idolatria.


A prisão preventiva de Jair Bolsonraro, ocorrida no último sábado, 22 de novembro de 2025 suscitaram diversas reações de seus apoiadores. Contrários ao que pregam, o Deus do lema "Deus, pátria e família" nunca foi o mesmo Deus dos cristãos e sim um líder. O fascismo prega o "culto ao líder", cegamente, de forma "patriota". Se cristã fosse a ideologia não eram antiesquerdistas, nem saudosistas da ditadura e da tortura. 

A figura de Jair Bolsonaro, desde sua ascensão meteórica à presidência do Brasil, transcendeu a mera representação política para se consolidar, para uma parcela significativa de seus apoiadores, em um fenômeno de natureza quase religiosa: o Bolsonarismo. Longe de ser apenas um alinhamento ideológico ou partidário tradicional, o Bolsonarismo exibe traços marcantes de uma idolatria, onde o líder e sua imagem se tornam objetos de devoção inquestionável, moldando o comportamento político e social de seus seguidores. Analisar essa dinâmica é crucial para compreender a polarização extrema e os desafios à estabilidade democrática brasileira.

A Despersonalização da Ideologia e a Centralidade do Líder

O principal argumento para classificar o Bolsonarismo como idolatria reside na centralidade absoluta da figura de Bolsonaro em detrimento de uma plataforma ideológica coesa e bem definida. Enquanto partidos políticos tradicionais se estruturam em torno de doutrinas (liberalismo, socialismo, conservadorismo clássico), o Bolsonarismo se define pela adesão incondicional ao indivíduo. Suas pautas são fluidas e frequentemente contraditórias, mas são validadas pela simples pronúncia do líder. Ele é visto como o messias salvador, a única figura capaz de resgatar o país de uma corrupção sistêmica e de uma suposta "ameaça comunista". Essa narrativa maniqueísta simplifica a complexidade política, transformando a disputa eleitoral em uma luta do Bem (Bolsonaro) contra o Mal (opositores).

Essa dinâmica facilita a despersonalização da crítica. Qualquer ataque, investigação ou questionamento legal contra Bolsonaro ou seus filhos é imediatamente interpretado como um ataque à fé e, por extensão, aos próprios apoiadores, que se veem como parte de uma comunidade sob cerco. A teoria da conspiração é mobilizada para justificar reveses e desvios de conduta: o Judiciário, a Mídia e a Esquerda tornam-se entidades malignas que conspiram para derrubar o "mito". Tal mecanismo de defesa emocional é típico de grupos identitários fechados, e não de um movimento político racionalmente estruturado.

Consequências para a Democracia: A Negação da Instituição

A manifestação mais perigosa dessa idolatria é a negação da legitimidade das instituições democráticas quando elas contrariam a vontade ou o interesse do líder. A prisão, ou a mera possibilidade dela, torna-se a prova cabal de uma perseguição, e não a consequência de um processo legal. A devoção inabalável ao "mito" exige a subversão da lei e da ordem caso estas não o protejam. O ídolo está acima da Constituição, pois ele é a representação da verdadeira moralidade e justiça para seus seguidores.

Essa postura fomenta o ativismo antidemocrático, encorajando manifestações que pedem o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) ou a intervenção militar. A idolatria, ao sacralizar o líder, dessacraliza a República e seus pilares. O voto é aceito se o resultado for a vitória do ídolo; caso contrário, é fraude. A imprensa só é legítima se endossa o líder; caso contrário, é fake news. Portanto, o Bolsonarismo como idolatria não é apenas um estilo político, mas sim um projeto de poder que ameaça a estrutura do Estado Democrático de Direito, substituindo o diálogo e o respeito à lei pela lealdade cega e incondicional ao seu líder.

O Bolsonarismo é mais do que um movimento de direita; ele é um culto político-religioso que mobiliza emoções profundas, identidades sociais e uma retórica messiânica. A possibilidade de uma prisão de Bolsonaro, em vez de pacificar o cenário, tende a inflamar ainda mais essa base, pois transforma o líder em um mártir. Para desarmar o potencial destrutivo dessa idolatria, é imperativo que as instituições democráticas atuem com firmeza e transparência, aplicando a lei de forma isenta, mas, sobretudo, que a sociedade civil e a educação reforcem a importância da razão, da crítica e do respeito à pluralidade para desconstruir o apelo simplista do mito. A saúde da democracia brasileira depende da sua capacidade de resistir à sedução do líder idolatrado e de reafirmar a soberania da lei sobre a devoção pessoal.

A Manipulação do Engajamento Emocional

As mídias sociais são o ambiente perfeito para o engajamento emocional que sustenta a idolatria. A lógica do algoritmo recompensa a agressividade e a polarização afetiva.

Discurso de Ódio e Violência: Como o algoritmo favorece o que é mais chocante e gera mais cliques, o Bolsonarismo adota uma retórica violenta e agressiva, conforme aponta a pesquisa. Quanto mais agressivo o discurso do líder ou do seguidor, mais ele é ouvido e amplificado.

Polarização Afetiva: O foco não é mais a discussão racional de políticas, mas sim a criação de um inimigo (a Esquerda, a mídia, o STF). Essa polarização mobiliza afetos negativos (raiva, medo, indignação), que são mais fortes e mais eficazes em gerar senso de pertencimento do que o debate racional.

O Líder como Vítima/Mártir: O líder se posiciona constantemente como vítima de uma conspiração global. As fake news e a retórica antissistema servem para garantir que qualquer revés legal ou político seja instantaneamente interpretado pela base como um sacrifício em nome da "Pátria", reforçando a imagem do líder-mártir e exigindo maior lealdade emocional e cega.

Essa máquina digital, descrita por pesquisadores como um "partido digital bolsonarista" que é replicável e adaptável, torna a idolatria escalável e resistente, garantindo que, mesmo com o líder fora do poder ou enfrentando problemas legais, a máquina de fidelidade continue a funcionar.

Portanto, desarticular o Bolsonarismo enquanto força política não é apenas uma questão de disputa eleitoral, mas um desafio estrutural à resiliência democrática. A saúde da República depende da capacidade das instituições de aplicar a lei com isenção e da sociedade civil de reafirmar a primazia da razão, do debate plural e da Constituição sobre a sedução do autoritarismo travestido de salvação nacional. E uma coisa fica esclarecida de agora em diante: ser bolsonarista não é só apoiar  Bolsonaro, trata-se de uma idolatria.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Oportunidade Histórica: A Política Aldir Blanc e a Urgência de Investir em Bibliotecas e Leitura



Oportunidade Histórica: A Política Aldir Blanc e a Urgência de Investir em Bibliotecas e Leitura

Enquanto a Lei 10.753/2003 (Política Nacional do Livro) clama por atenção e regulamentação, surge a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) como um farol de esperança e, sobretudo, como uma oportunidade concreta e histórica para a reestruturação da área de Livros, Leitura e Bibliotecas no Brasil. Inclusive, é uma recomendação do MEC.

Com um repasse contínuo de até R$ 3 bilhões a cada ciclo da União para Estados, Distrito Federal e Municípios, a PNAB oferece um financiamento cultural estrutural, superando a natureza emergencial das leis anteriores (Lei Aldir Blanc 1 e Lei Paulo Gustavo). A grande chance reside na possibilidade de destinar esses recursos de forma regular para o setor de Bibliotecas Públicas, que há décadas sofre com a carência de recursos, infraestrutura precária e acervos defasados. Ao invés de disso, tem municípios que preferem, por exempo, ao invés de fomentar a literatura, preferem "blocos" carnavalescos travestidos de blocos culturais. 

A Carência Crônica e o Vazio da Informação

O Brasil, apesar de ser a oitava economia do mundo, ainda engatinha na consolidação de uma "sociedade leitora". A realidade das bibliotecas públicas municipais e estaduais, em grande parte, reflete esse atraso:

  • Infraestrutura em Colapso: Muitas bibliotecas operam em prédios antigos, sem manutenção adequada, acessibilidade (física ou digital) e com equipamentos eletrônicos obsoletos ou inexistentes.

  • Acervos Defasados: A falta de verba para aquisição regular impede a renovação dos acervos, deixando as coleções desatualizadas e incapazes de refletir a diversidade cultural e as novas demandas informacionais da sociedade.

  • Desamparo Profissional: Há uma carência de programas contínuos de formação e valorização de mediadores de leitura, bibliotecários e técnicos, que são a linha de frente no combate ao analfabetismo funcional e na promoção cultural.

Por Que a PNAB É Vital para as Bibliotecas?

As bibliotecas públicas são o coração da difusão cultural e do acesso à informação. Elas cumprem um papel fundamental que transcende a mera guarda de livros: são polos de inclusão digital, espaços de convivência comunitária e ferramentas essenciais para o desenvolvimento cultural, social e econômico de um município.

A PNAB reconhece essa importância e, diferentemente de outros fundos, oferece um leque de possibilidades de investimento que endereça as carências crônicas do setor:

Ação/AtividadeImportância para a Biblioteca
Reforma, Construção e AmpliaçãoSuperar a precariedade da infraestrutura e garantir acessibilidade e espaços modernos.
Aquisição de Acervos e EquipamentosAtualizar coleções (impressas e digitais) e inserir o público no universo da informação digital (compra de e-readers, computadores).
Parceria com OSC (MROSC)Permitir a gestão compartilhada, trazendo a agilidade da sociedade civil para inovar na programação cultural e na mediação de leitura.
Contratação de Artistas LocaisFomentar a vida cultural local e transformar a biblioteca em um centro efervescente de eventos literários, contação de histórias e oficinas.
Seleção de Projetos Culturais ComunitáriosEngajar a comunidade cultural, garantindo que o espaço da biblioteca seja utilizado para atividades propostas pelo e para o público local.

Um Apelo aos Gestores: Não Deixem a Biblioteca na Sombra

O material de orientação da PNAB é um chamado direto aos gestores municipais e estaduais para que priorizem o Livro, a Leitura e as Bibliotecas. O investimento nesta área é a maneira mais eficaz de:

  1. Combater o Anti-intelectualismo: Ao reforçar a infraestrutura da informação, o Estado reafirma a importância do conhecimento crítico e da pluralidade de ideias.

  2. Valorizar a Cultura Local: Abrindo editais para aquisição de livros de autores regionais e contratação de artistas locais para eventos na biblioteca, combatendo o anonimato dos escritores.

  3. Garantir o Acesso Democrático: Utilizar a PNAB para levar acervos e pontos de leitura a bairros e comunidades remotas, fortalecendo a Difusão Cultural do Livro.

A PNAB não é apenas dinheiro; é a oportunidade de uma mudança de mindset sobre o papel da cultura e do conhecimento na construção de um Brasil mais justo e leitor. Os gestores têm agora, em mãos, o recurso e o arcabouço legal (Lei 14.133/2021 e Decreto 11.453/2023) para agir. O tempo da inação e da desculpa orçamentária chegou ao fim.



A LEI ESQUECIDA: Política Nacional do Livro e o Silêncio da Cultura


No aniversário da Lei 10.753/2003, que instituiu a Política Nacional do Livro (PNL), o Brasil se depara com um paradoxo cruel: a existência de uma robusta legislação de incentivo à leitura e à produção editorial, e o profundo desconhecimento ou negligência de grande parte dos legisladores e gestores públicos sobre o seu conteúdo e, mais importante, sobre sua implementação efetiva.


Criada no primeiro mandato do presidente Lula, a PNL nasceu com a missão de transformar o livro em um pilar central do desenvolvimento social e cultural do País, incentivando sua produção, distribuição e o hábito da leitura. As diretrizes da lei são claras e ambiciosas, visando a democratização do acesso e a valorização da cadeia produtiva do livro. No entanto, sua trajetória tem sido marcada por uma espécie de "apagão" institucional, expondo feridas profundas na relação do Estado brasileiro com a cultura e o conhecimento.

1. O Fantasma do Anti-intelectualismo e o Desvalor da Cultura


O primeiro e mais alarmante sintoma do esquecimento da PNL é o reflexo de um persistente anti-intelectualismo na esfera pública. A falta de regulamentação plena e a ausência de um investimento contínuo e estratégico demonstram que, na prática, o livro e a leitura são relegados a um papel secundário nas prioridades de muitos governos. Onde a lei prevê que o livro é o "meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento," a realidade impõe cortes orçamentários, falta de manutenção em bibliotecas públicas e uma visão utilitarista e superficial da educação. A desvalorização à cultura é evidente: o que não gera retorno eleitoral imediato ou não se encaixa em uma pauta ideológica restritiva, é simplesmente ignorado, e a PNL, com seu caráter estrutural de longo prazo, acaba sendo vítima dessa miopia política.

2. Anonimato dos Mestres: O Escritor na Sombra


Um dos objetivos da Lei 10.753/2003 é explicitamente o de "estimular a produção intelectual dos escritores e autores brasileiros". No entanto, o cenário editorial e cultural, especialmente para os novos e regionais autores, continua desafiador. A inércia na promoção de editais de fomento e a ausência de programas nacionais e regionais de descoberta e apoio resultam no anonimato dos escritores e mestres da literatura.

Os grandes nomes consagrados persistem, mas a nova voz, aquela que reflete a diversidade cultural do País e renova a literatura, luta contra a invisibilidade. Sem políticas públicas robustas que garantam concursos regionais, apoio à publicação e remuneração justa (como a lei, em essência, se propõe a fazer), o talento local permanece à margem. O escritor, que deveria ser um agente fundamental na construção da identidade nacional, torna-se um empreendedor solitário, refém de seu próprio esforço e das dinâmicas predatórias do mercado.

3. A Falha na Difusão: O Livro que Não Chega


A PNL enfatiza a importância de fomentar a difusão, a distribuição e a comercialização do livro, inclusive a instalação e ampliação de livrarias, bibliotecas e pontos de venda. Contudo, a efetiva falta de incentivo à Difusão Cultural do Livro no interior do Brasil é um fracasso que ecoa em números baixos de leitura per capita. 
  • Geografia da Leitura: O Brasil ainda possui vastos "vazios de leitura" onde livrarias e bibliotecas são escassas ou inexistentes. A livre circulação do livro, prevista na lei, esbarra em problemas logísticos e na inação do poder público em criar mecanismos para que o livro chegue a assentamentos, comunidades quilombolas, aldeias indígenas e periferias distantes.
  •   Descontinuidade de Programas: A articulação entre a PNL e outras iniciativas importantes, como o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), frequentemente sofre rupturas a cada mudança de gestão, demonstrando a fragilidade de transformar uma "Lei de Governo" em uma verdadeira "Política de Estado".

📌 Um Chamado à Responsabilidade


A Lei 10.753/2003 não é apenas um conjunto de artigos; é uma bússola para um Brasil que aspira ser uma nação do conhecimento. Sua existência há 22 anos, somada à sua notável ineficácia em muitos aspectos, é um atestado da falta de compromisso estrutural com o setor. 

Para que a PNL saia do papel e se torne a poderosa ferramenta de transformação que foi idealizada, é urgente que o Executivo Federal, em conjunto com Estados e Municípios, realize um plano de incentivo e informação à população sobre a regulamentação imediata da lei. É preciso educar os gestores, valorizar os autores e garantir que o investimento na cadeia produtiva do livro seja visto não como um gasto, mas como a única forma de combater o obscurantismo e construir uma sociedade verdadeiramente leitora e crítica. 


O livro é imune de impostos pela Constituição; a lei o eleva a um direito. Agora, cabe aos governantes garantir que este direito não seja apenas letra morta, mas uma realidade acessível a todos os brasileiros.


sexta-feira, 24 de outubro de 2025

A Síndrome do Parlamento Cúmplice: O Silêncio da Fiscalização

 


A fiscalização do Poder Executivo, pilar essencial da democracia representativa, encontra-se fragilizada em diversos municípios brasileiros. É cada vez mais recorrente o cenário onde Câmaras de Vereadores, dominadas por maiorias alinhadas aos Prefeitos, assumem uma postura de conivência, fazendo "vista grossa" a irregularidades e obstruindo o trabalho de uma oposição frequentemente silenciada. Esse desequilíbrio de poder não apenas compromete a transparência, mas mina a confiança pública na gestão municipal. Paradoxalmente, a própria oposição, apesar de sua voz reduzida, muitas vezes falha em utilizar os robustos dispositivos legais disponíveis para cumprir seu dever fiscalizador. Diante dessa crise de identidade e medo da judicialização, emerge a necessidade urgente de resgatar o protagonismo da sociedade civil como o agente fiscalizador soberano.

Em primeiro lugar, a raiz dessa disfunção reside na dinâmica política clientelista e na captura institucional. A promessa de cargos, emendas e vantagens políticas transforma a função fiscalizadora dos vereadores da base aliada em um mero carimbo de aprovação dos atos do Executivo, a famosa "turma do amém". A Câmara, que deveria ser um contrapeso, torna-se uma extensão do Gabinete do Prefeito. Nesse contexto, a oposição é sistematicamente isolada e seus pedidos de informação, CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) ou convocação de secretários são arquivados sumariamente. Tal prática não é apenas imoral, mas constitui uma traição ao mandato popular de vigilância e transparência que rege a República.

Em segundo lugar, a ineficácia fiscalizatória também recai sobre a apatia da própria oposição ou o desconhecimento dos instrumentos legais de controle. Dispositivos como o acesso irrestrito a documentos públicos, a denúncia direta ao Ministério Público (MP) e ao Tribunal de Contas (TCE) por qualquer cidadão ou vereador, e o uso de mandados de segurança para garantir a tramitação de requerimentos são ferramentas poderosas. Contudo, muitas vezes, a oposição se restringe ao discurso político retórico, sem converter a denúncia em ação jurídica ou técnica bem fundamentada, contribuindo indiretamente para a sensação de impunidade e para o enfraquecimento de sua própria legitimidade perante o eleitorado.

Diante de uma Câmara cúmplice e de uma oposição fragilizada, a única força capaz de reequilibrar a balança democrática é a sociedade civil organizada. É imperativo que o cidadão deixe a posição de espectador passivo e assuma o papel de fiscalizador primário, utilizando as prerrogativas que a legislação já lhe confere.

Diante da inércia da Câmara de Vereadores, só resta à Sociedade Civil Organizada algumas alternativas ou propostas para mudar esse cenário:

1.Criação e Fortalecimento de Observatórios Sociais (OS): Implementar e financiar (via editais de fomento e parcerias com universidades locais) Observatórios Sociais independentes em cada município. O OS deve ser formado por voluntários com expertise técnica (contadores, advogados, engenheiros) e ter como foco a auditoria de contratos, licitações e contas públicas, transformando dados brutos em relatórios de fácil compreensão.

2. Plataforma Digital de Fiscalização Cidadã (PFIC): O Ministério Público Estadual (MPE) deve criar uma plataforma online acessível e segura onde qualquer cidadão possa anexar provas e indícios de irregularidades de forma anônima e rastreável. A plataforma deve garantir o sigilo do denunciante e fornecer feedback sobre o andamento da investigação (respeitando as limitações legais). Democratizar o acesso à Justiça, garantindo que a denúncia social saia do campo da retórica e seja imediatamente protocolada como notícia-crime ou representação formal, blindando-a da obstrução da Câmara.

3. Campanha Educativa sobre Controle Social e Lei de Acesso à Informação (LAI): O Tribunal de Contas do Estado (TCE), em parceria com as prefeituras (sob fiscalização do TCE), deve promover campanhas de conscientização e workshops presenciais e virtuais sobre o uso da LAI, os direitos de petição e os canais de ouvidoria. O foco deve ser em bairros e comunidades com menor acesso à informação.

Portanto, é essencial munir a população com o conhecimento e as ferramentas legais necessárias para exigir documentos, fiscalizar despesas e monitorar o cumprimento das promessas de campanha, transformando o "olhar atento" em ação legal.

Ao capacitar e organizar o cidadão para que ele mesmo se torne o auditor de sua cidade, reverte-se a lógica da "Câmara Cúmplice". A efetividade democrática em nível municipal não pode mais ser refém da conveniência política. O protagonismo deve, enfim, retornar ao povo, que é o verdadeiro e insubstituível detentor do poder fiscalizatório.

Se isso acontecer, prevalecerá a ideia de que o parlamento municipal é uma despesa a mais para os municípios e devem ser susbstituídos pelo Controle Social, através de um Conselho Parlamentar de Fiscalização onde não se tenha que ter uma política clientelista nem supostas captações ilícitas de sufrágio.