A prisão preventiva de Jair Bolsonraro, ocorrida no último sábado, 22 de novembro de 2025 suscitaram diversas reações de seus apoiadores. Contrários ao que pregam, o Deus do lema "Deus, pátria e família" nunca foi o mesmo Deus dos cristãos e sim um líder. O fascismo prega o "culto ao líder", cegamente, de forma "patriota". Se cristã fosse a ideologia não eram antiesquerdistas, nem saudosistas da ditadura e da tortura.
A figura de Jair Bolsonaro, desde sua ascensão meteórica à presidência do Brasil, transcendeu a mera representação política para se consolidar, para uma parcela significativa de seus apoiadores, em um fenômeno de natureza quase religiosa: o Bolsonarismo. Longe de ser apenas um alinhamento ideológico ou partidário tradicional, o Bolsonarismo exibe traços marcantes de uma idolatria, onde o líder e sua imagem se tornam objetos de devoção inquestionável, moldando o comportamento político e social de seus seguidores. Analisar essa dinâmica é crucial para compreender a polarização extrema e os desafios à estabilidade democrática brasileira.
A Despersonalização da Ideologia e a Centralidade do Líder
O principal argumento para classificar o Bolsonarismo como idolatria reside na centralidade absoluta da figura de Bolsonaro em detrimento de uma plataforma ideológica coesa e bem definida. Enquanto partidos políticos tradicionais se estruturam em torno de doutrinas (liberalismo, socialismo, conservadorismo clássico), o Bolsonarismo se define pela adesão incondicional ao indivíduo. Suas pautas são fluidas e frequentemente contraditórias, mas são validadas pela simples pronúncia do líder. Ele é visto como o messias salvador, a única figura capaz de resgatar o país de uma corrupção sistêmica e de uma suposta "ameaça comunista". Essa narrativa maniqueísta simplifica a complexidade política, transformando a disputa eleitoral em uma luta do Bem (Bolsonaro) contra o Mal (opositores).
Essa dinâmica facilita a despersonalização da crítica. Qualquer ataque, investigação ou questionamento legal contra Bolsonaro ou seus filhos é imediatamente interpretado como um ataque à fé e, por extensão, aos próprios apoiadores, que se veem como parte de uma comunidade sob cerco. A teoria da conspiração é mobilizada para justificar reveses e desvios de conduta: o Judiciário, a Mídia e a Esquerda tornam-se entidades malignas que conspiram para derrubar o "mito". Tal mecanismo de defesa emocional é típico de grupos identitários fechados, e não de um movimento político racionalmente estruturado.
Consequências para a Democracia: A Negação da Instituição
A manifestação mais perigosa dessa idolatria é a negação da legitimidade das instituições democráticas quando elas contrariam a vontade ou o interesse do líder. A prisão, ou a mera possibilidade dela, torna-se a prova cabal de uma perseguição, e não a consequência de um processo legal. A devoção inabalável ao "mito" exige a subversão da lei e da ordem caso estas não o protejam. O ídolo está acima da Constituição, pois ele é a representação da verdadeira moralidade e justiça para seus seguidores.
Essa postura fomenta o ativismo antidemocrático, encorajando manifestações que pedem o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) ou a intervenção militar. A idolatria, ao sacralizar o líder, dessacraliza a República e seus pilares. O voto é aceito se o resultado for a vitória do ídolo; caso contrário, é fraude. A imprensa só é legítima se endossa o líder; caso contrário, é fake news. Portanto, o Bolsonarismo como idolatria não é apenas um estilo político, mas sim um projeto de poder que ameaça a estrutura do Estado Democrático de Direito, substituindo o diálogo e o respeito à lei pela lealdade cega e incondicional ao seu líder.
O Bolsonarismo é mais do que um movimento de direita; ele é um culto político-religioso que mobiliza emoções profundas, identidades sociais e uma retórica messiânica. A possibilidade de uma prisão de Bolsonaro, em vez de pacificar o cenário, tende a inflamar ainda mais essa base, pois transforma o líder em um mártir. Para desarmar o potencial destrutivo dessa idolatria, é imperativo que as instituições democráticas atuem com firmeza e transparência, aplicando a lei de forma isenta, mas, sobretudo, que a sociedade civil e a educação reforcem a importância da razão, da crítica e do respeito à pluralidade para desconstruir o apelo simplista do mito. A saúde da democracia brasileira depende da sua capacidade de resistir à sedução do líder idolatrado e de reafirmar a soberania da lei sobre a devoção pessoal.
A Manipulação do Engajamento Emocional
As mídias sociais são o ambiente perfeito para o engajamento emocional que sustenta a idolatria. A lógica do algoritmo recompensa a agressividade e a polarização afetiva.
Discurso de Ódio e Violência: Como o algoritmo favorece o que é mais chocante e gera mais cliques, o Bolsonarismo adota uma retórica violenta e agressiva, conforme aponta a pesquisa. Quanto mais agressivo o discurso do líder ou do seguidor, mais ele é ouvido e amplificado.
Polarização Afetiva: O foco não é mais a discussão racional de políticas, mas sim a criação de um inimigo (a Esquerda, a mídia, o STF). Essa polarização mobiliza afetos negativos (raiva, medo, indignação), que são mais fortes e mais eficazes em gerar senso de pertencimento do que o debate racional.
O Líder como Vítima/Mártir: O líder se posiciona constantemente como vítima de uma conspiração global. As fake news e a retórica antissistema servem para garantir que qualquer revés legal ou político seja instantaneamente interpretado pela base como um sacrifício em nome da "Pátria", reforçando a imagem do líder-mártir e exigindo maior lealdade emocional e cega.
Essa máquina digital, descrita por pesquisadores como um "partido digital bolsonarista" que é replicável e adaptável, torna a idolatria escalável e resistente, garantindo que, mesmo com o líder fora do poder ou enfrentando problemas legais, a máquina de fidelidade continue a funcionar.
Portanto, desarticular o Bolsonarismo enquanto força política não é apenas uma questão de disputa eleitoral, mas um desafio estrutural à resiliência democrática. A saúde da República depende da capacidade das instituições de aplicar a lei com isenção e da sociedade civil de reafirmar a primazia da razão, do debate plural e da Constituição sobre a sedução do autoritarismo travestido de salvação nacional. E uma coisa fica esclarecida de agora em diante: ser bolsonarista não é só apoiar Bolsonaro, trata-se de uma idolatria.
